A Medicina Veterinária do Coletivo (MVC) é uma área multidisciplinar que promove transformação social e saúde integral para seres humanos, animais e o meio-ambiente por meio dos conhecimentos da Medicina Veterinária Coletiva, Medicina Veterinária de Abrigos, Medicina Veterinária de Desastres e a Medicina Veterinária Legal.
Na Medicina Veterinária do Coletivo é estudado diretamente a relação humano animal, já que desde o início do convívio do ser humano em sociedade há uma relação mutualística entre homem e animal, como no caso do auxílio dos cães em caçadas para suprir a demanda de alimento das aldeias e até mesmo no controle de zoonoses, como no caso dos gatos que controlavam a população de roedores e contribuem para a diminuição da propagação de doenças veiculadas por esses vetores. Com isso, esses animais foram criando laços mais intensos com o homem e passando a conviver dentro de suas casas, esse relacionamento foi sendo cultivado até na atualidade. Desse modo, vivenciamos a família multiespécie, em que principalmente os cães e gatos se tornaram membros da família e acabaram por vivenciar a realidade desses indivíduos, sendo possíveis alvos das mesmas situações de vulnerabilidade que esse grupo familiar venha a enfrentar.
No século XIX, com a descoberta de Louis Pasteur do vírus da raiva na saliva de cães, esses passaram a ser capturados e eliminados em massa em todo o mundo, com o objetivo de controlar a doença. Com o início dos movimentos “No Kill” na década de 30 e com a intensificação e visibilidade na década de 90, a eutanásia de animais saudáveis indiscriminadamente passou a ser infundada, sendo necessário a implementação de políticas para a diminuição da superpopulação de cães e gatos em situação de rua, promoção de guarda-responsável e prevenção de zoonoses.
Assim, a MVC nasce do reconhecimento das interações positivas e negativas humano-animal e da demanda de práticas multiprofissionais e transdisciplinares para a promoção de qualidade de vida, bem-estar e dos indivíduos, famílias, comunidades, animais e meio-ambiente. E por conseguinte, fortalecendo novos paradigmas na medicina veterinária como a inclusão do conceito de saúde única na atuação em saúde pública e de evolução das discussões de ética e direito animal.
A saúde coletiva, tem como foco a promoção de saúde individual, familiar, de grupos étnicos ou populacional, por meio de estratégias que evitam a exposição aos riscos e subsidiam políticas públicas, direcionadas à promoção da saúde. Ações de educação em saúde, vigilância e atenção primária em saúde permitem aos sujeitos maximizar a capacidade que cada um possui para tolerar enfrentar e corrigir as vulnerabilidades em que estão expostos.
Dentre as áreas de concentração da MVC o Manejo populacional humanitário e sustentável de cães e gato (MPCG) é de extrema relevância, sendo de interesse da Medicina Coletiva e da Medicina Veterinária de Abrigos (MVA), uma vez que a superpopulação de cães e gatos é um problema para saúde pública. O MPCG constitui um conjunto de estratégias de intervenções preventivas e curativas que contribuem para diminuição do abandono, promoção de guarda-responsável, controle de zoonoses, bem-estar animal e manutenção da Saúde Única (One Health).
Imagem: Andre Borges/Agência Brasília
Os animais são suscetíveis a situações de abandono, maus tratos e problemas socioeconômicos da família que são integrantes ligados à precariedade das condições de vida e alimentação.Logo, há casos muito comuns de maus tratos ligados ao Transtorno de Acumulação, psicopatologia humana que está além da acumulação de objetos, ela se projeta também para os animais. Muitos indivíduos,que geralmente passam por algum trauma para desencadear esse transtorno, acabam se apegando aos cães e gatos de rua, por exemplo, e começam a cuidar desses animais e a trazer constantemente novos para dentro de casa. Contudo, esses animais enfrentam as consequências desse transtorno juntamente com os as pessoas, vivendo em ambientes precários e insalubres. O médico veterinário vai atuar com os cuidados e o encaminhamento desses animais para locais adequados juntamente com uma equipe multidisciplinar e a Vigilância em Saúde (Sanitária e Ambiental), destacando a importância que o médico veterinário do coletivo exerce na sociedade.
Dentro desse tema destaca-se , também, a Teoria do Elo, temática que relaciona os maus tratos a animais e a violência contra pessoas, principalmente mulheres, crianças e idosos. Geralmente quando há um ciclo de violência dentro de casa os indivíduos mais vulneráveis são afetados primeiro, desse modo tanto o membro da família como o animal são suscetíveis a sofrerem com barbaridades. Logo, é muito importante o veterinário identificar os sinais de maus-tratos em seus pacientes, pois provavelmente no ambiente familiar em que eles vivem mais alguém pode estar sendo uma vítima, sendo primordial para que ocorra uma denúncia e uma resolução dessa situação de vulnerabilidade. A partir desse ponto, a Medicina Veterinária de Abrigos irá atuar como principal auxiliadora em amparar esses animais e realizar o processo de reinserção na sociedade por meio de uma adoção responsável.
A Medicina Veterinária de Abrigos (MVA) tem como objetivo promover a reabilitação, ressocialização e reintrodução na sociedade dos animais em situação de rua, por meio da adoção. É uma área que está diretamente ligada ao MPCG e que sofre impactos do abandono de animais, é por esse motivo que uma das competências é a organização e criação de políticas externas relacionadas a estratégias de manejo populacional vigentes na localidade do abrigo. Além disso, a organização de políticas internas relacionadas aos manejos preventivos e curativos dos animais residentes, bem como de manutenção de instalações e monitoramento de adoções.
A Organização Mundial de Saúde (OMS) define catástrofe como qualquer acontecimento que cause estragos, desestabilização econômica, perda de vidas humanas e deterioração da saúde que excedem a capacidade da comunidade afetada de lidar com a situação, sendo necessário o auxílio externo. Assim, a Medicina Veterinária de Desastres lida com as necessidades dos animais, humanos e meio-ambiente em situações de catástrofes, é uma área emergente que vem sendo cada vez mais necessária devido aos desequilíbrios ecológicos e pelas ações antropocêntricas.
Com a instituição do pensamento coletivo e discussão sobre ética e Direito Animal, surgiram leis no ornamento jurídico que penalizam maus-tratos e outros crimes, além de assegurar a dignidade das espécies não-humanas. Com isso, a área de Medicina Veterinária Legal (MVL) se faz importante, sendo a área em que se aplicam os conhecimentos da medicina veterinária para o cumprimento de leis por meio do conhecimento técnico e científico, realizando pareceres, laudos e exames de corpo de delito, visando a promoção de bem-estar, proteção e Justiça Animal.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
Conselho Regional de Medicina Veterinária e Zootecnia. Escola de Medicina Veterinária da Universidade Federal de Minas Gerais. Bem-estar animal, Cadernos Técnicos de Veterinária e Zootecnia, FEPMVZ Editora, Belo Horizonte, n. 67 , 2012.
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SOBRE AS AUTORAS
Blenda Araujo Martins Ferreira | blendam.ferreira@gmail.com
Graduada em Medicina Veterinária pela Universidade Federal de Lavras - UFLA (2022).
Médica Veterinária Residente em Patologia Clínica Veterinária na Universidade Federal de Lavras - UFLA
Membro do Núcleo de Estudos em Medicina Veterinária do Coletivo (NEVEC) - a Universidade Federal de Lavras - UFLA
Nicole Fernandes do Carmo | nicole.fernandesdc@gmail.com
Graduanda em Medicina Veterinária na Universidade Federal de Lavras - UFLA
Coordenadora de Pesquisa e Extensão - Projeto Veterinário Mirim - do Núcleo de Estudos em Medicina Veterinária do Coletivo (NEVEC) da Universidade Federal de Lavras - UFLA
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