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Rinha de Galos

O interesse humano pelo embate entre animais é antigo, acredita-se que tenha surgido no período paleolítico através da observação de lutas naturais no momento da domesticação das espécies animais. O ato tornou-se uma prática constante sendo perpetuada, inclusive, em grandes impérios como na Grécia Antiga onde a briga de galos era empregada como treinamento de modo a inspirar os guerreiros antes de confrontos, além de também ser utilizada como forma de entretenimento datando, o que se supõem, a introdução da ideia de animais para o lazer. Já no Brasil, a briga de galos foi amplamente difundida através da colonização portuguesa, uma vez que a prática era comum em grande parte da Europa e Ásia, principalmente com o uso de raças advindas da China e da Índia e, a partir deste momento, pode-se dizer que o embate entre galos se tornou uma realidade em diversas regiões brasileiras.


No entanto, atualmente, uma questão paira no ar no que tange este assunto: afinal, a briga de galos é considerada um crime?


No que se refere ao judiciário brasileiro, a questão do embate entre animais entrou em pauta somente em 1934 quando o presidente Getúlio Vargas, através do Decreto Federal 24.645, estabeleceu medidas protetivas aos animais, considerando “todos os animais como tutelados pelo Estado”, além de julgar como maus-tratos “realizar ou promover lutas entre animais da mesma espécie ou de espécie diferente, como touradas, simulacros de touradas, ainda mesmo em lugar privado” e “arrojar aves e outros animais nas casas de espetáculo e exibi-los, para tirar sortes ou realizar acrobacias”.


Embora disposto como crime pelo Decreto Federal nº 24.645/34, a prática não se extinguiu tendo que, em 1961, o presidente Jânio Quadros, proibir a briga de galos e atrações que envolvessem embate entre animais através da edição do Decreto Federal nº 50.620 que, um ano depois em 1962, seria revogada pelo então primeiro-ministro Tancredo Neves. O assunto só foi trazido à tona novamente através da Lei Federal de Crimes Ambientais nº 9.605 em 1998 onde, através do artigo 32, é definido “atos de maus-tratos, abuso, mutilação e ferimento de animais domésticos e domesticados, nativos, silvestres e exóticos são estabelecidos como crimes”, seguindo vigente até a data atual.


Além do que é previsto em legislação, é necessário tomar conhecimento de que as aves são protegidas por um programa específico, coordenado pelo Ministério da Agricultura Pecuária e Abastecimento (MAPA) denominado Programa Nacional de Sanidade Avícola (PNSA), possuindo como objetivo estabelecer uma série de medidas que devem ser tomadas por criadores da espécie, a fim de garantir a saúde e bem-estar destes animais e dos animais aviários brasileiros de produção, por meio de normas higiênico-sanitárias e de construção dos locais de criação, protocolos vacinais, nutricionais e outros. Somado à este programa, atualmente o conceito das 5 Liberdades, estabelecido em 1965 pelo comitê Brambell, funciona visando padronizar as normas de bem-estar animal ao instituir que animais devem estar livres de/para:


  1. Fome e sede

  2. Estresse e medo

  3. Dor e doenças

  4. Exercer comportamento natural 

  5. Desconforto


rinha de galos

Os galos submetidos à lutas recebem rigoroso treinamento desde a juventude com intuito de fortalecimento muscular, além de ser realizada a tosa específica por intermédio da depenação de áreas mais vulneráveis no momento da briga (como peitoral, coxa, abaixo das asas e pescoço). Após a tosa ocorre a exposição do animal ao sol para que haja endurecimento da pele, sendo comum que tais regiões sejam embebidas com substâncias alcoólicas para que o enrijecimento cutâneo possa ser ainda maior. Mutilações de barbela, crista e aurícula também ocorrem, no intuito de prevenir hemorragias que atrapalhem a visão dos galos durante a luta. São adicionados aos animais equipamentos como esporas e bicos de metal ou plástico para causar danos letais ao oponente e minimizar os males sofridos. É comum que, antes das lutas, os galináceos sejam isolados em pequenas gaiolas e mantidos em jejum para melhorar sua performance durante combate.


Além disso, as brigas de galos incluem um grande número de animais de outros municípios, estados e países que são transportados de forma irregular sem o Guia de Trânsito Animal (GTA), esse documento possui como intuito a rastreabilidade e controle sanitário de aves, ruminantes, equídeos e outras espécies silvestres e exóticas. Por isso, é comum visualizar estes animais em condições de aglomeração e estresse térmico em ambientes de transporte inadequados, sem espaço, higienização ou oferecimento de água.


Ademais, a falta de cuidados médicos veterinários aos galos utilizados para combates, os predispõem à dor e doenças que, quando somadas às péssimas condições de manejo, contribuem para a exposição da população próxima às mais diversas formas de antropozoonoses e arboviroses como a leptospirose, dengue, leishmaniose, salmonelose e toxoplasmose.


Atualmente se reconhece as aves, répteis e mamíferos como sendo seres sencientes, isto é, capazes de interpretar informações e sensações do ambiente como medo, estresse, fome e frio, além de tomar consciência do que lhes é ocorrido. Desta maneira, se valida a capacidade dos galos envolvidos em práticas de combate de vivenciar o medo e o estresse gerados pelas lutas, pelo transporte inadequado e ambiente e alimentação irregulares a que são submetidos; a fome e a sede; a dor e a doença que lhes é causada na privação de cuidados adequados e mutilação de partes de seus corpos além de serem capazes de assimilar a privação da exerção de seus comportamentos naturais como espécie ao serem confinados em gaiolas sendo, portanto, as brigas de galos uma prática que infringe os conceitos das 5 Liberdades do Bem-Estar Animal e a Lei Federal de Crimes Ambientais nº 9.605/98. 


Nesse sentido, é papel do médico-veterinário juntamente aos órgãos de apoio, como o MAPA e IBAMA, trabalhar na conscientização da população com relação às práticas de maus tratos para com todas as espécies, por meio de campanhas nos meios midiáticos e locais em Unidades Básicas de Saúde (UBS). Além de elaborar penas mais severas desestimulando, assim, tal crime.


 

Referências Bibliográficas


DA SILVA BRAGA, Janaina et al. O modelo dos “Cinco Domínios” do bem-estar animal aplicado em sistemas intensivos de produção de bovinos, suínos e aves. Revista Brasileira de Zoociências, v. 19, n. 2, 2018. Disponível em: https://periodicos.ufjf.br/index.php/zoociencias/article/view/24771 


DARDEN, Donna K.; WORDEN, Steven K. Marketing deviance: The selling of cockfighting. Society & Animals, v. 4, n. 2, p. 211-231, 1996. Disponível em: https://www.animalsandsociety.org/wp-content/uploads/2015/10/darden.pdf 


ESCOBAR, Marco Lunardi; AGUIAR, José Otávio; ZAGUI, Paula Apolinário. A realização de brigas de galo no Nordeste Brasileiro: um conflito social. Prisma Juridico, v. 14, n. 1, p. 37-58, 2015.


JATOBÁ, Paulo Adriano. A Cultura da Briga de Galos: O Galeão de Jacobina nos anos de 1960 a 1970. 2006. 41 p. Monografia de Especialização–Universidade do Estado da Bahia, Departamento de Ciências Humanas, Curso de Pós-Graduação em História, Cultura Urbana e Memória, Jacobina–Bahia, 2006.


 

Sobre a autora


Marina Doll Sousa


  • Estudante do 7º período de medicina veterinária pelo Centro Universitário das Faculdades Metropolitanas Unidas

  • Possui interesse pelas áreas de clínica médica e medicina veterinária legal 

  • Membro do Grupo de Estudos de Necropsia e Patologia Forense (GENPAFO - FMU)

  • Membro da Associação Brasileira de Medicina Veterinária Legal (ABMVL)

  • Possui artigo sobre Conscientização de Leishmaniose Visceral Canina em Comunidade Indígena de Amambai (MS) a ser publicado nas revistas Biological Models Research and Technology (BMRT) e Clínica Veterinária

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