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Abuso sexual contra animais

Desde os primórdios os animais fizeram partes da composição social de diversas culturas, tendo nesses últimos tempos estreitado as relações e por consequência participado do contexto familiar em diversos lares, passando a serem considerados muitas vezes como membros da família. Essa proximidade, que de um lado gerou um destaque positivo para os animais, também trouxe com ela consequências negativas, das quais é possível se observar por meio da mídia, pelas diversas notícias publicadas e o aumento do número de relatos de casos relacionados ao abuso, à crueldade e aos maus-tratos contra animais.


O contato sexual de humanos com animais é datado desde a antiguidade, sendo demonstrado em pinturas rupestres, representado na arte, em esculturas e descrito na literatura. No Brasil, relatos em livros, como o Menino de Engenho de José Lins do Rego, traz narrativas da infância do autor no meio rural do Nordeste Brasileiro, onde relata o contato sexual com animais de produção, prática que apesar de atualmente ser considerada crime ainda é comum para a iniciação sexual de meninos no meio rural, sendo vista quase como uma norma cultural em diversos locais.


Muitos países ainda permitem a prática de sexo com animais. Na Alemanha, por exemplo, desde 1969 essa atividade era permitida legalmente desde que os animais não fossem “maltratados” de forma significativa, o que com o tempo passou a ser visto com certa indignação pela sociedade, passando a ser considerado crime com multas que podem chegar até 25 mil euros. Recentemente a Suprema Corte do Canadá legalizou parcialmente a prática de sexo com animais, absolvendo um homem que estava sendo julgado por crime de estupro das próprias filhas, no qual o animal da família acabou sendo envolvido no contexto.


O abuso sexual contra animais é uma forma de violência que tem sido cada vez mais reconhecida como um problema significativo de bem-estar animal e de saúde pública. Este fenômeno abrange uma ampla gama de comportamentos humanos que vão desde a exploração sexual comercial, como nos casos de distribuição de vídeos envolvendo abuso sexual ou crueldade contra animais, alimentando assim o mercado pornográfico, até os atos individuais e/ou coletivos que podem ser cometidos por qualquer pessoa, homens e mulheres, nas mais diversas faixas etárias, incluindo atividades como acariciar os órgão genital do animal, penetração vaginal ou anal, contato oral-genital de pessoa para animal e vice-versa, ejaculação em um animal, penetração com os mais variados tipos de objetos, bem como ferir ou matar um animal para satisfação sexual.


Cada país tratará sobre o assunto de forma diferente. No Brasil não há crime tipificado especificamente para esse tipo de conduta, no entanto considera-se crime, diante do artigo 32 da lei 9,605 de 1998, a prática de abuso, maus-tratos e crueldade animal, da qual foi definida e caracterizada somente após quase 20 anos da publicação da lei de crimes ambientais, com a resolução 1.236 de 2018 do Conselho Federal de Medicina Veterinária, que inclui dentro dessas três categorias o crime de abuso sexual contra animais. Entretanto, apesar de definir e caracterizar, maus-tratos, abuso e crueldade, a resolução não trata da caracterização do que vem a ser o abuso sexual contra animais, deixando margens para subjetividade diagnóstica, carecendo, todavia, de uma clara definição.


Termos como zoofilia e bestialidade foram usados equivocamente para descrever o abuso sexual contra animais por muito tempo, no entanto, é de importância ressaltar que dentro da medicina-veterinária legal o termo cientificamente correto, que se refere ao crime tratado no artigo 32 da lei de crimes ambientais, diz respeito ao abuso, crueldade e maus-tratos, podendo o abuso sexual contra animais, ser enquadrado em qualquer uma dessas três condutas.



Abuso sexual em animais

Fonte: wirestock


No Brasil, via de regra, não se pune aquilo que está na cabeça do sujeito, mas sim aquilo que se materializa no mundo real e que prontamente está tipificado em lei, estando esses termos restritos à psicologia e psiquiatria, sendo descritos e diagnosticados conforme o Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais V (DSM-5), devendo este diagnóstico ser realizados por psiquiatras ou psicólogos. É importante ainda destacar que as parafilias por si só não são consideradas crimes, e muitas vezes não requer uma intervenção clínica, e que dentre os abusadores sexuais de animais existirão abusadores com e sem transtornos parafílicos, destacando aqui a zoofilia.


Várias motivações podem estar relacionadas com essa prática. Dentre elas é possível citar a curiosidade/experimentação, orientação sexual/zoofilia, humanização de animais/antropomorfismo, demonstração de controle/poder, sadismo, mercantilização, bem como o contexto situacional em que o sujeito se encontra, como normas culturais, acesso limitado a parceiros humanos etc.


Sabe-se que a troca de fluidos corporais como saliva, sangue e secreções genitais facilitam a transmissão de doenças. Alguns estudos relatam a transmissão de zoonoses a partir da prática sexual entre humanos e animais. Um estudo de caso relatou a morte pelo vírus da raiva em um homem de 26 anos, trabalhador rural, o qual havia relatado em seu histórico que mantinha relações sexuais com cachorros. Outros estudos sugerem que o abuso sexual contra animais possa estar associado a alguns aspectos sociodemográficos e comportamentais capazes de ampliar a vulnerabilidade às de infecções sexualmente transmissíveis (IST). Estudos também demonstram que a prática de sexo com animais em algum período da vida pode ser fator de risco para o desenvolvimento de câncer de pênis. No mais, muitas (IST) podem estar envolvidas nesse contexto ainda pouco conhecido, tendo uma relevância dentro da saúde pública.


A perícia médico-veterinária desempenha um papel fundamental no levantamento de provas em casos de abuso sexual contra animais, colaborando com a justiça e com a sociedade para a responsabilização daquele que praticou a conduta delituosa. Essa responsabilização tem não apenas o intuito de punir o sujeito que deu resultado a ação, mas também de dissuadir outras pessoas para que não se pratiquem tais condutas, prevenindo assim, qualquer tipo de prática que coloque em risco a saúde, a vida e a dignidade animal.


Diante desse cenário, tanto animais vivos quanto animais mortos de diferentes espécies podem ser vítimas de abuso sexual e vir a se tornar objeto de perícia. Médicos veterinários, portanto, podem ser solicitados para a realização de exame de corpo de delito em animais em casos de suspeitas de abuso sexual. Por isso é vital que os profissionais dentro da medicina veterinária tenham conhecimento e treinamento suficientes para identificar casos suspeitos e realizar prontamente os exames periciais quando solicitados, tornando assim a prova mais robusta para auxiliar o magistrado na tomada de decisão.


Para aqueles que desejam obter conhecimento sobre o assunto, está disponível o curso de Perícia em Casos de Abuso Sexual Contra Animais. O curso é ministrado por meio da plataforma Hotmart, com aulas gravadas e disponibilizadas por 60 dias. Ao final do curso o aluno receberá um certificado digital com carga horária de 4 horas.




 

Referências Bibliográficas


BRASIL, LEI Nº 9.605, DE 12 DE FEVEREIRO DE 1998. Dispõe sobre as sanções penais e administrativas derivadas de condutas e atividades lesivas ao meio ambiente, e dá outras providências. Disponível: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9605.htm


STERN, AW; SMITH-BLACKMORE, Martha. Patologia forense veterinária do abuso sexual de animais. Patologia veterinária , v. 53, n. 5, pág. 1057-1066, 2016.


DE ALMEIDA, Sérgio José Alves; PARREIRA, Diderot Rodrigues; ALVES, Naila. Zoofilia e raiva. Estudo de um caso de infecção pelo rabidovírus, adquirido através de comportamento parafílico. Revista Brasileira de Sexualidade Humana, v. 9, n. 1, 1998. DOI: https://doi.org/10.35919/rbsh.v9i1.711


ROSAS, Nicácio Acioli Barbosa et al. Fatores de risco para o câncer peniano: revisão de literatura. Brazilian Journal of Health Review, v. 4, n. 3, p. 13138-13147, 2021. DOI: https://doi.org/10.34119/bjhrv4n3-266


ELSAFTAWY, Enas A. et al. Bestialidade: um ponto de passagem para o surgimento e o renascimento da zoonose. Revista Zagazig de Medicina Forense , v. 1, pág. 104-126, 2024.


VIANA, Lucineide Santos Silva. Prática de sexo com animais entre homens atendidos em centros de referência para infecções sexualmente transmissíveis (ist) e aids do nordeste brasileiro: prevalência, relação com ist e fatores associados. 2021. Tese de Doutorado. Universidade Federal do Vale do São Francisco.



 

Sobre a autora


Patrícia Torres Rocha | CRMV/MT 05814


  • Graduada em medicina veterinária, pelo Centro Universitário Luterano de Ji-paraná

  • Especialização em Medicina Veterinária Legal pela Qualittas

  • Especialização em Perícia Criminal pela Verbo Educacional

  • Especialização em Gestão e Inteligência em Segurança Pública pela Uninter

  • Mestranda em Patologia Veterinária pelo Programa Pós-graduação em Saúde Animal, Universidade de Brasília

  • Integrante e pesquisadora do Grupo de Pesquisa em Medicina Veterinária Legal da Polícia Federal (CNPq). Professora e mentora na área de medicina veterinária legal

  • Administradora do Instagram @animaliumbr

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