A Medicina Legal é a contribuição médica para o cumprimento de leis, através da elaboração de exames de corpo de delito e laudos técnicos. Já o termo forense, vem do latim de Forum, local onde se faz a Justiça. Muitos creem que a Medicina Veterinária Legal é uma ciência nova, quando na realidade ela é emergente.
É possível afirmar tal ponto quando voltamos alguns anos na história e nos transportamos ao período do poder de reis Babilônicos. Em cerca de 1780 a.C., Hamurabi organizou a sociedade da época através do que ficou conhecido por Código de Hamurabi. O Código de Hamurabi pode ser encontrado facilmente transcrito em distintos idiomas nos dias de hoje, basta uma simples consulta na Internet que teríamos o privilégio de ler o que o rei Hamurabi proclamou há quase 4 mil anos. Já naquela época, existiam artigos no documento que faziam referência aos médicos veterinários, de assuntos como, abigeato, omissão na guarda e cautela de animais, além de erros médicos. Na realidade naquele momento já temos registro da Medicina Veterinária atuando no âmbito forense, aquele que irá buscar a Justiça, e daí emerge o papel do perito.
Se avançarmos no tempo e avaliarmos os dias atuais, notaremos com certa facilidade que os animais cada vez mais estão presentes nos núcleos familiares, e que surge o conceito de família multi-espécie. Sendo assim, não é estranho conhecer seres humanos que possuem como principal companhia um Pet. O Brasil é o terceiro país do mundo em população de Pets, atrás somente dos Estados Unidos e Reino Unido. Este mercado bilionário envolve e demanda diversos tipos de serviços e dentre eles não poderíamos esquecer aqueles prestados por profissionais da saúde animal.
Com isso, não é ilógico pensar que a prestação do serviço veterinário, principalmente nos grandes centros urbanos, está cada vez mais tecnificada, e assim sendo, também haverá mais valoração econômica. Também sabemos que há uma crescente judicialização da área da medicina veterinária, o que torna crescente a área de Perícia Veterinária, principalmente Cível, quando pensamos em processos por indenização material e moral referente ao exercício profissional do Médico Veterinário.
Certamente é uma área emergente.
A legislação passou a tipificar como crime uma série de condutas contra os animais, incluindo-as num contexto maior de crimes lesivos ao meio ambiente, a Lei Federal no. 9.605/1998, conhecida por Lei de Crimes Ambientais, a título de exemplo, no artigo 32 está enquadrado que a prática de abuso, maus-tratos, ferir ou mutilar animais silvestres, domésticos ou domesticados, nativos ou exóticos é crime e tem como pena a detenção de três meses a um ano, além da multa. Que foi ampliada pela Lei Federal no. 14.064/2020, conhecida por Lei Sansão, permitindo a pena de reclusão para quem comete crimes contra cães e gatos.
São muitas as situações de envolvimento forense nas quais a Medicina Veterinária atua de forma interdisciplinar ou ainda como principal ciência. Presenciamos através da mídia diversos casos de repercussão, nos quais animais foram vítimas de abuso, maus-tratos e mutilações que comoveram a sociedade e cobraram uma resposta do poder público.
Casos de rinhas de animais (principalmente galos e cães), animais traficados que disseminam patógenos, devastações e queimadas que culminam com a morte de inúmeros animais de vida livre, o resgate dos animais em situações de desastres, sejam estes naturais ou por consequência da ação do homem, abusos sexuais e seu vínculo com a pedofilia, separação judicial com tutela compartilhada de animais, animais abandonados em vias públicas, acidentes e atropelamentos, conexões com a violência humana e animal principalmente no meio doméstico, rodeios e vaquejadas, sacrifício de animais em rituais religiosos, uso indiscriminado dos animais na experimentação e testes de produtos cosméticos, consumo de alimentos de origem animal contaminados, entre muitos outros temas.
O aumento da notificação de casos em que há envolvimento criminal de animais tem tornado a Medicina Veterinária Legal uma especialidade crescente em demanda, e a Perícia Veterinária se desdobra daí. Para o devido atendimento, é fundamental a existência de profissionais capacitados para atuarem nesta área, preenchendo vagas que surgirão de novos concursos, criação de Institutos Médico Veterinários Legais vinculados aos órgãos oficiais da Polícia Científica.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
TREMORI, Tália Missen; ROCHA, Noeme Sousa. Exame do corpo de delito na Perícia Veterinária (ensaio). Revista de Educação Continuada em Medicina Veterinária e Zootecnia do CRMV-SP, v. 11, n. 3, p. 30-35, 2013.
JÚNIOR LEITÃO, Joaquim. Impactos da Lei Federal n. 14.064/2020 (Lei Sansão) no ordenamento jurídico pátrio. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 25, n. 6309, 9 out. 2020. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/85816. Acesso em: 15 mar. 2022.
SOBRE AS AUTORAS
Profa. Dra. Noeme Sousa Rocha
Médica Veterinária pela Universidade Estadual do Maranhão (1989)
Mestre em Patologia pela Universidade Estadual Paulista "Júlio de Mesquita Filho" (1994)
Doutora em Patologia pela Universidade Estadual Paulista "Júlio de Mesquita Filho" (1998)
Professora Associada da Universidade Estadual Paulista "Júlio de Mesquita Filho" (campus Botucatu)
Responsável pelo Ambulatório de Corpo de Delito de Medicina Legal Veterinária da UNESP (Botucatu)
Sócia integrante da Internacional Academy of Pathology
Presidente da comissão de ensino da ABMVL
Dra. Tália Missen Tremori
Médica Veterinária, mestre e doutora pela Universidade Estadual Paulista "Júlio de Mesquita Filho" (campus Botucatu)
Doutora pela Universidad de Salamanca, Espanha
Membro da Comissão Técnica de Medicina Veterinária Legal do CRMV-SP
Coordenadora no Brasil e assessora de comunicação da WAWFE (Worldwide Association of Woman Forensic Experts)
Membro da "Asociación Iberoamericana de Medicina y Ciencias Veterinarias Forenses"
Perita Judicial, TJSP, TRF1, TRF3 e AJG
Diretora Técnica e sócia do Forensic Med Vet
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