A medicina veterinária forense contempla a aplicação de conhecimentos técnicos e científicos relativos a profissão segundo a finalidade da lei, visando esclarecer fatos de interesse judicial relacionados aos animais, denotando a intersecção entre a ciência e o sistema jurídico.
A necropsia com finalidades forenses constitui-se como um método investigativo tradicional visando facilitar a compreensão da causa mortis em questões judiciais envolvendo crimes contra animais.
Considerando isso, a emergente utilização de ferramentas de métodos de diagnóstico por imagem associada a realização de necropsias consolida-se como forma complementar ao exame necroscópico permitindo elucidar com exatidão a presença de corpos estranhos alojados no cadáver, projéteis balísticos, fraturas ósseas, lesões vasculares, instrumentos médicos veterinários utilizados para realização de procedimentos, além de colaborar também na diferenciação de fenômenos cadavéricos ocorridos post mortem e lesões e/ou alterações ocorridas ante mortem, aumentando a assertividade de diagnósticos.
As necropsias minimamente invasivas realizadas a partir do uso de modalidades de imagem, também denominadas necropsias virtuais ou virtopsias - termo derivado da palavra virtopsy®, criada por pesquisadores suíços pela união das palavras inglesas virtual e autopsy - são realizadas por meio de equipamentos de imagem que permitem documentação corporal externa e interna.
A documentação corporal externa é garantida pela fotogrametria consistindo na metragem de superfícies corporais por meio de fotografias. Já a documentação corporal interna do cadáver dá se pela utilização de métodos de diagnóstico por imagem contemplando a imaginologia, sendo eles a radiografia convencional, a ultrassonografia, a tomografia computadorizada, a angiotomografia e a ressonância magnética.
A fotogrametria visa fornecer medidas e gerar coordenadas por meio de fotografias, a partir desta técnica, duas ou mais fotografias em diferentes posições, permitem a reconstrução do cadáver em três dimensões (3D), a partir da utilização de programas computacionais para geração de imagens 3D que possibilitam a reconstrução do que foi fotografado.
A radiografia convencional foi introduzida em 1898 e durante muito tempo consistiu no único método de diagnóstico por imagem utilizado por patologistas antecedendo a realização de necropsias. Este tipo de exame de imagem oferece grande auxílio na detecção de injúrias não visíveis externamente, assim como fraturas nos casos de traumas em membros e coluna vertebral, além de permitir a visualização de corpos estranhos radiopacos como projéteis de armas de fogo.
A ultrassonografia, assim como a radiografia, consiste em uma técnica de baixo custo, entretanto, sua limitação é devido, principalmente, a dificuldade de ser executada na presença de gases acumulados em cavidades corpóreas provenientes dos processos putrefativos cadavéricos que provocam a formação de artefatos na imagem obtida. Além da utilização como exame de imagem post mortem para avaliação geral do cadáver, a ultrassonografia mostra-se também uma técnica eficiente na realização de biópsias guiadas por meio de punção aspirativa, auxiliando na colheita de amostras teciduais.
Apesar de apresentar limitações como o elevado custo e a baixa disponibilidade de aparelhos destinados a realização da técnica na medicina veterinária, a tomografia computadorizada possibilita a visualização do corpo em fatias com poucos milímetros de espessura, fornecendo imagem em duas ou três dimensões sem a necessidade de dissecação do cadáver. Este tipo de exame auxilia na visibilização de alterações como presença de gases em cavidades corpóreas, lesões por armas de fogo, pequenas fraturas e corpos estranhos, precedendo a realização da necropsia e favorecendo, também, a realização de biópsias guiadas.
A angiotomografia post mortem, é uma técnica que consiste na realização da tomografia computadorizada por meio da injeção de contrastes iodados associados a substâncias lipofílicas no sistema vascular, porém, o grande desafio para realização desta técnica sustenta-se no fato de que, a injeção de contraste em cadáveres, requer equipamento especializado, que simule a pulsação do sistema vascular no organismo. Ainda, dependendo da região anatômica a ser avaliada, o acesso venoso para injeção do contraste irá variar, por exemplo, para contrastar cabeça ou as artérias coronárias deve-se utilizar a veia jugular e a artéria carótida, para perfundir totalmente o corpo, recomenda-se utilizar as artérias femorais.
A ressonância magnética post mortem auxilia especialmente na análise de lesões em tecidos moles, como, por exemplo, vasos sanguíneos em casos de hemorragias, embolias, hematomas subcutâneos, lesões cerebrais e pulmonares devido à alta sensibilidade ao campo magnético, no entanto, é a modalidade de imagem de custo mais elevado e de alta complexidade dos equipamentos envolvidos na obtenção das imagens, sendo necessário treinamento específico por parte do especialista que irá executar a técnica.
É importante ressaltarmos que, a interpretação dos exames de imagem para fins forenses em situações post mortem, requer conhecimentos de tanatologia forense por parte do profissional médico veterinário que está executando a técnica, considerando os fenômenos cadavéricos (como, por exemplo, o livor mortis e o timpanismo ou enfisema cadavérico) que poderão estar presentes nas imagens e necessitam ser diferenciados de alterações patológicas.
Os tradicionais exames necroscópicos internos e externos já consolidados como métodos confiáveis, capazes de confirmar ou questionar ações na área médica veterinária e na aplicação de leis, ainda que não possam ser totalmente substituídos, podem ser complementados quando associados aos exames de imagem, permitindo identificar alterações e a presença de corpos estranhos com exatidão, fornecendo detalhes que favorecem o reconhecimento de objetos tridimensionais e seus locais de alojamento, aumentando a precisão diagnóstica e auxiliando nas perícias judiciais.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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SOBRE A AUTORA
Msc. Dra. Patrícia Franciscone Mendes | patfmendes@gmail.com
Médica Veterinária
Profa. do curso de graduação em Medicina Veterinária do Centro Universitário das Américas (FAM)
Ministra as disciplinas de Anatomia dos Animais Domésticos, Patologia Animal Descritiva e Comparada, Bem-Estar Animal, Deontologia e Medicina Veterinária Legal
Profa. Orientadora e Membro da Comissão Organizadora do Grupo de Estudos em Patologia Veterinária Forense (GEPAFO) da FAM (perfil no Instagram: @gepafo.fam)
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